Opinião: QUE VANTAGEM TERIA UMA VITÓRIA JUDICIAL ESMAGADORA CONTRA “OS QUINZE”?
Unidade, Metástase eRealpolitik.//
A posição que já exprimi publicamente é conhecida: defendi o regresso à política, a saída do túnel judicial, livrando-se daquilo que os lógicos chama de “efeito de túnel”: um tipo de condicionamento que conduz alguém – como se estivesse a caminhar dentro de um túnel – a uma estreiteza de vistas, a um enviesamento falacioso na avaliação de situações (no nosso caso, de situações políticas) que não são nada simples.
A meu ver, os “louros” de um triunfo judicial – se é isso que perseguem – dificilmente compensariam os custos políticos, ideológicos e éticos de uma grande “hemorragia” dentro do PAIGC. Por isso mesmo, a pretensão de alcançar uma “vitória judicial” – como substituto do diálogo político – é, do meu ponto de vista, estar a perseguir um objetivo completamente errado. Aliás, se, para dialogar, fosse preciso, primeiro, apurar judicialmente a figura de um vencedor e a figura de um vencido, então, por esta assimetria, a atitude do vencedor tenderia provavelmente a ser ditada por uma lógica de imposição, de diktat humilhante sobre o vencido. E isso seria incompatível com um empenhamento partilhado, com a busca comunicativa de uma “vitória” que deve ser conjuntamente alcançada. A questão politicamente estratégica é esta: ganhar juntos (por via da restauração da unidade do partido), ou uma vitória unilateral (decidida em tribunal) por quebra da intercomunicação e em prejuízo da unidade do partido? Se juntos ganharam as eleições legislativas, também juntos deveriam procurar vencer esta crise pós-eleitoral.
Como comenta a defesa de “eleições gerais” que algumas vozes da nossa praça pública defendem?
As propostas, em princípio são todas legítimas, não há pecado nenhum em apresentá-las. O mal, às vezes, é não serem propostas argumentadas, apoiadas em boas razões (argumentar significa isso mesmo: apresentar boas razões para …). Assim sendo, quem resolve fazer propostas deveria considerar-se responsabilizado no sentido de tentar também explicar muito bem as coisas. Primeiro, o que são “eleições gerais”? Inclui eleições autárquicas ou não? Se é para fazer eleições ditas “gerais” (mas) sem incluir eleições para a democratização do poder local, então, o que se iria fazer seriam eleições “parciais”, não gerais. Por sinal, seriam as sextas eleições legislativas e presidenciais sem termos realizado uma única eleição autárquica!
Diante desta hipótese, pode perguntar-se, mas para quê tudo isso (?) se houver no parlamento normalizado – e penso que ainda há – um potencial institucional para gerar uma solução governativa estável?
Em segundo lugar, se por “eleições gerais” entendem apenas a realização de eleições legislativas mais as eleições presidenciais, então, as premissas para isso acontecer seriam as seguintes: (a) dissolução legal da ANP seguida de deposiçãomanu militari do Presidente da República; ou, (b) dissolução legal do parlamento seguida de renúncia de mandato por parte do presidente da República.
Admitamos que se verificaria a hipótese constitucional (b), de dissolução legal do parlamento e de renúncia presidencial. Ainda assim, a realização das ditas “eleições gerais” que alguns estão a defender, teria de passar provavelmente por uma “solução de continuidade” ditada por uma conjuntura de crise política generalizada – de parlamento dissolvido, de governo de gestão, de presidente da República interino, implicando tudo isso que, provavelmente, teria de ser um outro presidente (o interino, não o renunciante) a ter de convocar eleições, sabe-se lá quando?! Tudo isso, para quê?
A outra hipótese – a hipótese a) – de se chegar às chamadas “eleições gerais” só seria viável após a consumação de um golpe militar, que é uma perspetiva que não me interessa teorizar nem equacionar. Mas atenção: não é improvável que acontecesse uma intervenção militar mesmo no processamento da hipótese b) – com o aprofundamento da crise política por força de uma fragilização institucional generalizada -, tendo em atenção que neste caso, o stress social e algum caos político que resultariam disso, poderiam tornar a nova conjuntura política civilmente ingovernável. Logo, criava-se assim, mesmo que involuntariamente, um incentivo para a intervenção militar. Outra vez, a minha pergunta: tudo isso, para quê?
Em terceiro lugar, nesse cenário maximalista (fruto de uma generalização para todo o Estado de uma crise interna apenas do PAIGC) parece manifestar-se uma tentação de levar um só partido a querer determinar todas as regras do jogo, uma deriva política negativa que o PAIGC, a meu ver, não deveria aceitar. Pela simples razão de que o PAIGC já não é o que era: a (única) “força política dirigente da sociedade e do Estado”. Sem este enquadramento conceitual, o PAIGC pode correr o risco de tentar baralhar politicamente o país, desnecessariamente. É esta metástase que deveríamos tentar evitar: de espalhar por todo o país uma doença originada dentro do PAIGC, e que deve ser circunscrita e curada preferencialmente dentro do PAIGC, isto é, na sua própria fonte.
Como avalia a atitude política do PRS na presente crise?
Com certeza que é possível ver na atitude do PRS uma realpolitik própria, uma vez que em política os partidos tendem a defender uma realpolitik mais conveniente aos seus próprios interesses. Mas a forte resistência do PRS diante da iminência de um esmagamento sumariamente decidido, de uma purga, de um “assassinato político” de 15 deputados (de pouco mais de um quarto do grupo parlamentar do partido-rival) ultrapassa um mero posicionamento político tático: o gesto tem um alcance político e ético mais abrangente do que teria potencialmente uma realpolitik em sentido restrito. É uma posição normativamente geradora de consequências para o futuro, tendo em conta que vai ser muito condicionante para o conjunto da ordem democrático-parlamentar em que o próprio PRS está inserido. Do meu ponto de vista, a resistência do PRS – concorde-se ou discorde-se dela – transmite uma mensagem forte, que é esta: não é assim, nem hoje nem amanhã, que se expulsam deputados, nem os do PAIGC, nem os do PRS, nem os de qualquer outro partido, não se tratando – como é o caso – de criminosos de delito comum.
Por: Delfim da Silva, analista político guineense
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