TERÇA-FEIRA, 10 DE MAIO DE 2016
As Propostas de Cipriano Cassamá, a Entrevista de Baciro Djá e a Indisciplina na Assembleia Nacional Popular
Estimados leitores, neste post analiso em profundidade, como prometido, as
propostas apresentadas por Cipriano Cassamá para a resolução da crise política
na Guiné-Bissau (primeira parte). Na segunda parte, faço um breve comentário
sobre a entrevista de Baciro Djá e na terceira parte apresento duas propostas
do meu Modelo para acabar com a Indisciplina no Parlamento. A análise das
declarações de ontem de Domingos Simões Pereira ficará para o próximo post, mas
deixo já algumas questões no ar, para vos inspirar.
Primeira parte: Cipriano Cassamá,
presidente da Assembleia Nacional Popular «ANP», apresentou em nome do
Parlamento guineense três cenários para a saída da actual
crise política: 1º cenário – PAIGC e PRS formariam um Governo
comandado pelo PAIGC (enquanto vencedor das eleições), mantendo-se Carlos
Correia como Primeiro-Ministro «PM». Dentro deste cenário,
admite-se também a formação de um Governo com todos os partidos com
representação parlamentar e mais os 15 Deputados expulsos/retornados ou
então com alguns elementos ligados ao Presidente da República «PR»; 2º
cenário – seria nomeado um novo PM do PAIGC à frente
de um Governo conjunto com o PRS; 3º cenário –
o ex-PM, Domingos Simões Pereira «DSP» lideraria um Governo do PAIGC,
integrado por membros do PRS e elementos próximos ao PR José Mário Vaz «Jomav»
(Diário Digital,
04-05-2016).
Tal como referi anteriormente, ao
assumir claramente que não equaciona a realização de eleições
antecipadas, Jomav “puxou” temporariamente Cipriano Cassamá, os Deputados eleitos (tanto do
PRS como do PAIGC) e o Supremo Tribunal de Justiça «STJ», piscando-lhes
o olho e transformando-os
em aliados. Ao mesmo tempo, ao
admitir a possibilidade de criar um Governo de Iniciativa Presidencial «GIP», “empurrou” Carlos Correia e DSP para fora. Três
dias depois do discurso de Jomav na ANP, Cipriano Cassamá encontrou-se
com ele, na ausência de DSP, Carlos Correia e do seu vice-presidente Inácio
Correia, para lhe dar conta das diligências em curso para a realização do debate
sugerido pelo Chefe de Estado. Cipriano Cassamá afirmou ter encontrado no
PR um amigo e irmão descrevendo um encontro
de cordialidade (RFI, 22-04-2016). Por aqui
vemos que Cipriano Cassamá aceitou o convite do piscar de olho de Jomav.
Também podemos questionar se osucessivo adiamento dos trabalhos na
ANP (ver mais abaixo) não constituitambém uma forma de dilatar o
tempo para oferecer ao PR argumentos suficientes para a queda
do Governo. Além disso, o facto da sua proposta não prever eleições
antecipadas (e colocar DSP como a terceira opção/cenário) prova de
que lado está Cipriano Cassamá ou seja, que ele não está com DSP, mas preferiu
salvar a sua posição junto do PR. Se DSP já esteve à frente do Governo e
foi afastado porJomav, o terceiro cenário não
faz sentido e parece ter sido incluído apenas paraenganar DSP. Cipriano
Cassamá tem mais a ganhar em salvar a sua posição porquese
acontecer algum imprevisto ao Jomav, Cipriano Cassamá será
o PR, de acordo com a CRGB. Perante isto, volto a questionar:
será que DSP tem verdadeiros aliados no PAIGC?
Estas propostas apresentadas por Cipriano Cassamá não
me surpreenderam, porque vão ao encontro do que eu já tinha proposto
muito antes. Comecei por realçar a importância de DSP e o PAIGC
fazerem cedências, procurando a reconciliação com Jomav e com o
PRS. Falei também da possibilidade de, por um lado, haver um acordo
entre o PAIGC e o PRS e, por outro lado, de se criar umacordo de
paz dentro do próprio PAIGC com os Deputados expulsos (embora
considerasse isto menos provável). Há mais de duas semanas, sugeri que o PAIGCpartilhasse
com o PRS cargos relevantes (por exemplo, a partilha de cargos
relevantes – Ministros, Secretários e até Vice-Primeiro-Ministro – com o PRS e
com os 15 Deputados). Finalmente, no meu post anterior, propus, em função do modelo político em
vigor, que fossem recolocados os 15 Deputados retornados em cargos
governativos, permitindo assim a reconciliação com eles.
Nesta reformulação governativa, seriam retiradas 15 pessoas (entre Ministros e
Secretários de Estado) que passariam a ocupar os lugares dos 15 Deputados retornados.
Depois desta troca, seria importante ponderar a parceria com os outros
partidos políticos, de forma a maximizar os consensos. Se o PAIGC tivesse
seguido a minha proposta de reintegrar os 15 Deputados expulsos/retornados no Governo, a maioria absoluta do PAIGC
estaria garantida e o partido ficaria a salvo. Como podem ver, caros leitores, eu já tinha
avançado várias vezes as propostas agora apresentadas por Cipriano Cassamá.
Segunda parte: O Tribunal Regional de Bissau
considerou nula a deliberação do PAIGC que expulsava Baciro Djá do
cargo de terceiro vice-presidente do partido-Estado PAIGC por
ter aceite o cargo de PM sem ter sido proposto pelopartido-Estado
PAIGC. Baciro Djá anunciou que vai retomar o seu lugar na
direcção do PAIGC e convidou ex-PM Domingos Simões Pereira, actual líder do
partido, a abandonar o cargo (A Bola, 06-05-2016). Em
entrevista à RFI, Baciro Djá afirmou também que o PR da Guiné-Bissau
não deve dissolver o Parlamento visto que não há capacidade financeira para
realizar novas eleições. Para além de ter sido nomeado PM
por Jomav e depois ter sido retirado, Baciro Djá
faz parte do grupo dos 15 Deputados expulsos/retornados
(RFI, 08-05-2016).
Perante esta anulação e também a outra, relativa à expulsão dos 15
Deputados do PAIGC, confirma-se a minha previsão de que os 15 Deputados, o PR Jomav e o PRS iriam pedir
as “cabeças dos derrotados” como prémio. Perante isto, está respondida a pergunta de DSP: onde
se vão sentar os 15 Deputados expulsos?(RFI, 06-04-2016). Embora o Tribunal da Relação tenha
intervindo hoje mesmo,invalidando a decisão de anulação do Tribunal
Regional de Bissau relativa aos 15 Deputados (RTP África 10-05-2016),
põe-se a questão de saber, quatro sentençasdepois, qual o
peso que esta decisão terá se o PR decidir afastar o Governo de
Carlos Correia? Agora cabe a Jomav pôr fim a estas idas e
voltas entre as diferentes partes.
Embora a realização de novas eleições não possa ser
descartada por completo, deve ser encarada como um acontecimento com baixa
probabilidade de ocorrência. O mais provável é a iminente
queda (ou profunda remodelação) do Governo de Carlos Correia.
Terceira parte: A ANP suspendeu os seus trabalhos pelo quarto dia
consecutivo, depois de trocas de insultos entre os Deputados do
PRS e do PAIGC, depois de Inácio Correia, vice-presidente da ANP, ter sido
impedido pelos Deputados do PRS de ler o seu discurso de abertura (Notícias ao Minuto, 06-05-2016). O surgimento destas
crispações leva-me a propor, no meu Modelo Político de Governação (pp. 520-521), por um lado, a redução do número de
Deputados de 102 para entre 60 e 45, de forma a agilizar os trabalhos
a desenvolver. É que asassembleias numerosas, como vemos no caso da
Guiné-Bissau, «inclinam-se sempre para os excessos, visto as paixões de
cada membro serem excitadas pelas de todos, que se consideram irresponsáveis».
Por outro lado, subscrevo a ideia de criação de uma segunda Câmara,
que regule «os excessos e os abusos a que a Câmara dos Deputados pode ser
levada, concentrando em si todo o Poder do Estado, tornando o Poder
executivo e judiciário seus servidores, e não respeitando direitos públicos nem
privados»; i.e., «uma assembleia única, não tendo num corpo independente um
centro de resistência legal, constitui a mais perfeita organização do
despotismo». Neste sentido, a segunda Câmara «contribui
para o melhor exercício desta função [legislativa], em virtude do novo exame a
que é submetido o projecto» (o que corresponde à metáfora popular de que dois
olhos vêem mais do que um) (Marnoco & Souza, 1910: 411,
414-417 citados por Kosta, 2007: 421).
Tenho andado a insistir, há muito tempo, em propostas que
possam ajudar aresolver os actuais problemas da Guiné-Bissau, como
demonstrei neste texto. O facto de algumas pessoas apresentarem publicamente
algumas propostas no mesmo sentido das minhas, leva-me a recorrer à metáfora
popular que “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. Ou seja, a
mudança é possível na Guiné-Bissau, e vale a pena insistir sempre,
mesmo que os obstáculos pareçam intransponíveis.
Para terminar, deixo no ar algumas questões que servirão
de ponte para um próximo post acerca do discurso de ontem de DSP. Será que têm
razão os que defendem que a Constituição da República da Guiné-Bissau
não consagra a criação de um GIP? Quantos tipos de GIP existem e a qual
deles se referem? Se até os constitucionalistas defendem um GIP,
onde está o problema? Faz sentido que o PRS não se imiscua nos assuntos
internos do PAIGC? Se o Governo de Carlos Correia cair, que “alcunha
política” lhe poderemos atribuir? Com uma eventual nova maioria
parlamentar, até que ponto Cipriano Cassamá é
"irremovível"? Será que quem ri por último ri melhor?
Será que é melhor afastar-se do que ser afastado? Será que Jomav
tem a faca e o queijo na mão?
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco
(2015). Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 63; 332-333;
520-521). Lisboa: Chiado Editora.
Sem comentários:
Enviar um comentário