A ESTE PROPÓSITO, PARA MAIOR ESCLARECIMENTO DOS NOSSOS LEITORES E VISUALIZADORES, COMPULSAMOS OPINIÕES DE CONSTITUCIONALISTAS QUE NÃO SE VENDERAM AO DSP E SEUS BANDOS DE MARGINAIS E CORRUPTOS.
PARA NÃO SERMOS EXTENSOS VAMOS VER O TEXTO DO DR. CARLOS VAMAIN, CONSTITUCIONALISTA E EX-MINISTRO DA JUSTIÇA VARIAS VEZES:
Politica
BREVES COMENTARIOS SOBRE A PERDA DO MANDATO DE DEPUTADOS NO ORDENAMENTO JURIDICO GUINEENSE
BREVES COMENTARIOS SOBRE A PERDA DO MANDATO DE DEPUTADOS NO ORDENAMENTO JURIDICO GUINEENSE
Article posté le 18-01-2016
Por: Carlos Vamain
Como disse um analista, “decididamente, Bissau faz trabalhar a imaginação
jurídica”. Um país em que teimosamente se criam factos forçando as normas
legais a adequarem-se e a se conformarem aos mesmos, em função de interesses
instalados e não em razão da necessidade da existência de uma sociedade
regulada em função de normas e da jurisprudência que garantam a segurança e a
certeza jurídicas no relacionamento entre as pessoas.
Depois de várias peripécias politicas
envolvendo diferentes actores de um mesmo Partido – maior do que o Estado da
Guiné-Bissau, cujas brigas e crises internas transbordam sempre para o Estado,
a ponto de ainda se confundir com Partido-Estado -, alastrou-se, uma vez mais,
envolvendo as instituições públicas do país, nomeadamente, o Parlamento.
Trata-se, como é do conhecimento
público, da expulsão de militantes de um Partido politico (PAIGC), que exercem
mandato de Deputado na Assembleia Nacional Popular (ANP) e que foram objecto de
uma deliberação da Comissão Permanente da ANP, um órgão que funciona no
intervalo das sessões da Assembleia Nacional Popular. Essa deliberação declarou
a perda de mandato dos quinze Deputados, a requerimento do próprio partido e da
sua Bancada Parlamentar, com fundamento no n°. 1, a), do Artigo 8°, do Estatuto de Deputado,
afirmando que esses Deputados deixaram de “preencher uma das condições de
elegibilidade como deputados.” Exposto isso, coloca-se a questão de
saber se esta decisão é ou não legal, à luz do ordenamento jurídico da
Guiné-Bissau. Uma situação que nos leva a analisar os pressupostos e as
competências legais da autoridade pública encarregue de conhecer e
pronunciar-se sobre a matéria relativa à perda de mandato de Deputados.
1. Os pressupostos legais
da perda de mandato à luz da deliberação da Comissão Permanente da ANP
Uma das normas fundamentais para o
exercício das funções de Deputado é a imunidade parlamentar, qual seja, a
garantia constitucional da sua independência e liberdade de expressão no
exercício das suas funções. Neste sentido, o constituinte guineense impõe, no
Artigo 82°, da Constituição da República que: “Nenhum deputado pode ser incomodado,
perseguido, detido, preso, julgado ou condenado pelos votos e opiniões que
emitir no exercício do seu mandato.” Esta protecção normativa específica é
consagrada pelo princípio das imunidades parlamentares, que se fundamentam na
própria Constituição.
Portanto, o reconhecimento dum estatuto
específico impõe contrapartidas, a saber, o mandato do Deputado deve estar ao
abrigo de qualquer influência que possa contrariar o livre exercício das suas
funções. Em consequência, estão submetidos a algumas obrigações e interdições.
Somente em circunstâncias bem delimitadas por lei podem os Deputados ser
submetidos a sanções, tais como em caso de prática de crimes em flagrante
delito.
No caso em espécie, não compete à
Comissão Permanente da ANP decidir em matéria da perda de mandato de Deputados
sob pena de prevaricação, usurpação de poderes ou de abuso de poder. Isto
porque em Direito Público não se presumem direitos, nem obrigações, em razão do
princípio da legalidade dos actos das entidades públicas. No caso em espécie,
em nenhum momento os dispositivos constitucionais ou legais atribuem
competência à Comissão Permanente da ANP para pronunciar-se sobre a perda de mandato
de Deputados.
2. A autoridade
competente para decidir sobre a perda de mandato dos deputados
A competência para pronunciar-se
sobre a perda de mandato de um Deputado pertence ao Plenário da Assembleia
Nacional Popular, nos termos do Artigo 13°, n°. 2, do Regimento desta instituição.
Pois, o simples facto de o Artigo 49°, b), do Regimento dispor que compete à
Comissão Permanente exercer os poderes da ANP relativamente ao mandato dos
Deputados não significa de modo algum a competência para pronunciar-se sobre a
perda de mandatos.
Neste âmbito, a decisão proferida com
fundamento no n°. 1 a), do Artigo 8° do Estatuto dos Deputados para além de incongruente, mostra-se
totalmente descontextualizada. Isto porque esta disposição aplica-se tão-só ao
momento da verificação dos poderes por ocasião da instalação duma nova
legislatura, nos termos do 8° e seguintes, do Regimento da ANP, não colhendo a
fundamentação da decisão relativa à perda do mandato constante da deliberação
proferida, mas sim, para a não assunção do mandato no início da legislatura. E
a verificação de poderes consiste na apreciação da regularidade formal dos
mandatos e na apreciação dos processos de eleição dos Deputados, cujos mandatos
sejam impugnados por facto que não tenha sido objecto de decisão judicial com
transito em julgado (Artigo 8°, n°. 2, do Regimento da ANP). O que não é o caso.
Toda esta polémica assenta-se no não
cumprimento da lei. Isto porque, caso a lei tivesse sido cumrpida,nomeadamente,
o disposto no Regimento da ANP, a saber, o Artigo 132°, n°. 4, logo depois de
conhecidos os resultados de votação do Programa de Governo, ter-se-ia, em
parte, evitado este hiato normal em democracia, mas que devido às fragilidades
do país, foi amplificado, a ponto de se transformar num problema “bicudo”, em
razão da luta intestina à volta dos recursos escassos do país, quando deviam,
serenamente, os actores políticos socorrerem-se de instrumentos jurídicos
postos à sua disposição para a solução deste imbróglio jurídico-constitucional
sem alaridos: a) o recurso ao Plenário (Artigo 75°, do Regimento da ANP) e b) o recurso ao
STJ, enquanto Tribunal Constitucional por acumulação de funções (do Artigo 15,
alínea m) do Regimento da ANP).
Em conclusão, o comando legal,
neste caso, estando bem patente no Artigo 82°, da Constituição da República, quanto à impossibilidade, nomeadamente, de
incomodar ou perseguir um deputado por ter emitido votos no Parlamento que,
em conjugação com o disposto no Artigo 8°, igualmente, da Constituição da República, torna ipso facto inexistente
a deliberação N°. 1/2016, de 15 de Janeiro,
adoptada pela Comissão Permanente.
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