Por, Gorky Medina
Há exactamente 11 meses que já ouvi tudo sobre a justiça de mesmas pessoas: em Julho de 2015 cheguei a Bissau e alguns membros do governo estavam a ser investigados e foram submetidos a medidas de coacção como termo de identidade, nessa altura, ouvi suspeições das mais incríveis sobre a justiça. Aliás, lembro mesmo dos insultos nas redes sociais e nos Bloggs que se faziam ouvir dirigidos ao PR e ao então PGR.
Como se isso não bastasse, foi mesmo sugerido um debate parlamentar sobre a justiça pelo partido que suportava o então governo, tudo porque estavam a investigar o então Ministro dos Negócios Estrangeiros. A evolução dos acontecimentos deu-nos uma demissão do governo três semanas depois e de seguida a formação de um novo governo, alegadamente, sem que se cumpra os requisitos formais exigidos pela Constituição da República, entrou-se com um incidente de inconstitucionalidade que o STJ decidiu dar provimento declarando a inconstitucionalidade formal e material da nomeação do governo.
Depois disso, passamos a ouvir maravilhas da Justiça guineense: àqueles que tinham passado um ano a desrespeitar justiça e a duvidar dela - temos um conselheiro de um ex primeiro ministro e deputado com pena de prisão que já transitou em julgado sem que se efectivasse essa pena por causa de suposta imunidade parlamentar - são agora os novos defensores da justiça. Ai de quem ousasse questionar algo relacionado com a justiça, seria crucificado e vexado em público.
Mas o melhor disso tudo, àqueles que a decisão desfavorecia, o PR, recolheu a sua viola no saco, e nem uma palavra. Acatou a decisão e cumpriu-se o decretado no Acórdão do Supremo e o partido com maioria parlamentar efectiva formou o seu governo. O que se seguiu, terá sido humilhante do ponto de vista do ego do PR.
A justiça, o novo menino-bonito do sistema, saiu reforçada. Todos em uníssono, reconheciam os seus méritos e a ameaça ao recurso aos tribunais para dirimir o conflito político que estava em curso, passou a fazer parte do discurso político.
O advento do mês do Advento (passe a redundância), novos factos aconteceram e, de facto, passou a ser difícil poder efectivar a maioria que todos sabíamos que era detido pelo partido que formava o governo. As maiorias políticas acima de tudo é uma realidade de facto e não virtual. Ou seja, moralismos barato à parte, quem detém uma maioria tem de poder aprovar no hemiciclo os instrumentos fundamentais da governação: o programa de governo e o Orçamento Geral de Estado, facto que não sucedeu.
Depois disso, entramos de novo em batalhas judiciais, primeiro com providencias cautelares demandados de parte em parte e todos eles foram decretados, instando à outra parte a cessação da prática de certos actos. As referidas providencias trouxeram uma nova visão da justiça: àqueles que a partir de Setembro diziam maravilhas da Justiça, passaram a desrespeitar a decisão que lhe era desfavorável e começaram a prestar declarações que questionava a seriedade da Justiça.
Para piorar, essa visão nefasta da justiça, ouve uma declaração de inconstitucionalidade da decisão fundamental que permitisse a manutenção do governo, ou seja, a decisão da comissão permanente de expulsar os deputados do partido que formava o governo, já não podia ser levado à frente, e de facto, o partido perdera a sua maioria.
Isso acarretou uma nova demissão do governo em Maio e foi convidado o segundo partido mais votado a formar governo, desde que se prove a garantia de estabilidade desse governo. A estabilidade aqui significaria provar que de facto, o governo a ser formado provaria de facto, que reuniria maioria suficiente para fazer aprovar os seus instrumentos de governação: o seu programa e o seu Orçamento.
Não estando de acordo, o partido que detinha a maioria parlamentar e que formara o governo demitido, dedidiu recorrer ao tribunal: num primeiro momento exigindo ao STJ que ordenasse o cumprimento do Acórdão de Setembro do ano passado que declarou inconstitucionalidade material e formal da decisão do PR; após desistência desse procedimento, avançou-se, por via de uma demissão do director da rádio nacional, com um incidente de inconstitucionalidade da nova nomeação de governo.
Na sexta passada, dia 15.07.16, o STJ negou provimento do incidente de inconstitucionalidade e ontem, a parte que perdeu, mostrou o que realmente pensa da justiça. Reparem nesta resenha: há uma demonstração de que a Justiça para alguns, só é justa quando emana dela uma decisão favorável. Quando não é, a justiça é maior cancro da nossa sociedade e foi visto ontem.
Pior ainda, quando agentes de justiça como advogados, têm esse tipo de opiniões sempre que a parte que patrocinam obtenha uma uma decisão desfavorável, isso não só demonstra um mau perder como é um caminho extremamente perigoso.
Eis o país que temos, eis a forma de actuar das nossas figuras de proa. A pior forma de violação da separação de poderes, é quando há um total desrespeito pelas decisões emanadas de órgãos de soberania com funções que constituem alicerce dessa separação de poderes.
Um partido que em 43 anos de independência do país o governou durante 40, ser ele quem questiona a seriedade de instituições que em grande parte a sua organização dependeu desse mesmo partido, é uma atitude deplorável.
Fair play político precisa-se urgentemente senão isto nunca mais vai andar. GMM 17.07.2016
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